quarta-feira, 11 de abril de 2018

Feliz Aniversário de Casamento

Quando a despretensão é a alma do negócio 

Alguns filmes não precisam reinventar a roda para funcionarem. Esse é o caso do agradável Feliz Aniversário de Casamento, uma das boas adições ao catálogo das produções originais Netflix. Dirigido e roteirizado por Jared Stern que, entre altos e baixos, já tirou do papel o subestimado Vizinhos Imediatos de Terceiro Grau e o ótimo Lego Batman, o despretensioso longa cumpre todos os pré-requisitos necessários para o desenvolvimento de uma competente comédia romântica. Temos um entrosado casal de protagonistas? Check! Uma premissa envolvente marcada pela verossimilhança? Check! Um roteiro satisfatoriamente engraçado? Check! Coadjuvantes divertidos? Check! Uma honesta vibe ‘feel good’? Check! Diálogos inteligentes? Check! O resultado, portanto, é um ‘indie movie’ sincero e dinâmico que, embora não seja inovador (nem tão pouco memorável), mostra astúcia ao questionar a idealização do casamento feliz. 

Dividido entre o compromisso dos romances mais realísticos e o escapismo das produções mais bem humoradas, Feliz Aniversário de Casamento cativa ao propor uma irônica crônica sobre a difícil missão que é a vida a dois. Uma espécie de primo pobre (e descomplicado) do sucesso (500) Dias com Ela (2009), o longa estrelado pelos talentosos Noel Wells, a Rachel da elogiada série Master of None, e Ben Schwartz, o Clyde da série House of Lies, é inteligente ao realçar os pontos falhos de uma relação esfriada pelo tempo. Enquanto o elogiado filme estrelado por Joseph Gordon-Lewitt e Zooey Deschanel conquistou os fãs do gênero ao acompanhar as idas e vindas de uma história de amor durante pouco mais de um ano, Jared Stern amplia o escopo da trama ao narrar a crise de um casal diante da ilusão do casamento perfeito. Com personagens positivamente imaturos em mãos, o realizador mostra propriedade ao se debruçar sobre problemas comuns, daqueles naturalmente reconhecíveis aos olhos do público, os analisando sob um prisma irônico e descolado. Costurado pela afiada montagem, que reforça os contrastes dentro desta relação num vai e vem esperto e harmonioso, o longa segue os passos de Mollie e Sam, um casal que, no dia do seu terceiro aniversário de namoro, enfrentam a sua primeira grande briga. Enquanto ele, um ilustrador sarcástico e carismático, parecia viver o relacionamento dos seus sonhos, ela, uma mulher independente e espontânea, deixa escapar que não estava feliz com a sua rotina. Disposto a tentar entender a reação da sua parceira, Sam decide acreditar no poder do diálogo, mas logo percebe que as suas diferenças eram maiores do que ele esperava. 


Numa proposta simples, mas bem executada, Jared Stern é inicialmente cuidadoso ao estabelecer a química entre Mollie e Sam. Mesmo diante da crescente rixa, o argumento realça não só a incompatibilidade entre os dois, como também as semelhanças, exaltando a imparcialidade do texto quanto ao destino desta relação. Aqui, não existe certo ou errado. Os dois lados têm voz e uma parcela de razão. Enquanto ela, por exemplo, reclama da inércia do seu parceiro na tomada de decisões, ele lamenta o descontentamento dela com as suas (pressionadas) escolhas. Num recorte ágil, ao longo do sucinto primeiro ato conseguimos entender tanto os motivos que os uniram, quanto os conflitos que os separaram. Ambientado ao longo das 24 horas de um celebrativo dia, o roteiro é igualmente perspicaz ao explorar o desenrolar das idas e vindas dos dois diante da iminência do rompimento. Num diagnóstico óbvio, mas explorado com bom humor pelo texto, o realizador mostra propriedade (e universalidade) ao expor os contrastes entre o passado e o presente, ao acompanhar o nascer, o florescer e o esfriar desta relação, preenchendo a película com diálogos inteligentes e problemas reconhecíveis aos olhos do espectador. À medida que a trama avança, inclusive, é interessante descobrir o quão (propositalmente) rasos são os dilemas entre os dois, um casal iludido pelo sonho do casamento perfeito. Embora o foco esteja nesta simpática história de amor, Stern, nas entrelinhas, se opõe contra algumas convenções sociais, contra o romantizado mito da felicidade numa relação. O que fica bem claro, em especial, quando nos deparamos com o contraponto da história, o açucarado (e cartunesco) casal de amigos de Mollie. 


O grande diferencial de Feliz Aniversário de Casamento, porém, não está no rumo da história, nos questionamentos propostos, nem tão pouco no destino dos personagens. Neste sentido, inclusive, a película segue a fórmula das mais populares comédias românticas. A graça, na verdade está no particular senso de humor de Stern e no talento do entrosado elenco. Mais do que simplesmente rir de situações recorrentes, o realizador o faz em perspicazes discussões verborrágicas ilustradas com cenas de um cotidiano naturalmente engraçadas. Embora algumas soluções simplesmente não funcionem, o ‘mise em scene’ bolado por Stern sustenta o longa sem grandes dificuldades, muito em função da qualidade do texto e dos divertidos personagens de apoio. Sem querer revelar muito, o sincero melhor amigo vivido por Rahul Kohli, a impetuosa empresária interpretada por Kristin Bauer van Straten e o expansivo pai vivido pelo esquecido Joe Pantoliano funcionam muito mais do que meras “escadas” cômicas e ajudam a entender a postura do casal. Somado a isso, Stern revigora a trama ao investir em espertas referências (plásticas e textuais) cinéfilas, “homenageando” títulos como Uma Linda Mulher, True Lies e Up: Altas Aventuras ao compor alguns dos seus quadros e muitas das suas cenas. Um diferencial que não se sustentaria se não fosse as magnéticas performances da dupla Noel Wells e Ben Schwartz. A primeira, um dos rostos mais promissores da TV americana, enche a tela de carisma ao construir uma mulher espontânea e contraditória. A sua Mollie é engraçada, amorosa, intransigente, moderna, uma personagem humana e imatura defendida com energia por Wells. Já o segundo arranca genuínas risadas ao viver um homem compreensivo que faz da ironia a sua principal arma. O seu Sam é frágil, astuto e intempestivo, uma figura relutante quanto as suas culpas. Entrosados, Wells e Schwartz tornam tudo muito real\plausível aos olhos do público, reciclando um formato batido ao criar um casal que não parece fazer parte de uma comédia romântica. 


E esse talvez seja o grande charme de Feliz Aniversário de Casamento. Embora fiel a refrescante estrutura do gênero, Jared Stern estreia na direção com uma obra simples capaz de tecer um comentário verossímil sobre os altos e baixos de uma relação. Um filme com um visual ‘cleen’, uma roupagem atual e a coragem de rir do clichê “felizes para sempre” num contexto em que o ideal e o real não costumam andar de mãos dadas.

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