sábado, 13 de janeiro de 2018

O Rei da Polca

Jack Black garante boas risadas numa cativante comédia de erros

Inspirado numa transloucada história real, O Rei da Polca comprova o ótimo faro do carismático Jack Black para personagens adoravelmente excêntricos. Embora tenha se acostumado a brilhar em grandes blockbusters, vide os sucessos de Escola do Rock, King Kong, Goosebumps e o recente Jumanji, o cantor e comediante procurou dedicar parte da sua filmografia aos tipos esquisitos, arrancando sinceras risadas em títulos pequenos como A Inveja Mata (2004), Nacho Libre (2006), Rebobine, Por Favor (2008) e Bernie: Quase um Anjo (2011). Um particular viés cômico que, indiscutivelmente, casou perfeitamente com a proposta defendida nesta nova produção original Netflix. Sob a batuta da dupla Maya Forbes (Sentimentos que Curam) e Wallace Wolodarsky (Viagem a Darjeeling), o longa, uma espécie de "primo" ingênuo de O Lobo de Wall Street, debocha do velho "American Way of Life" ao narrar a jornada de um cantor de Polca que se tornou um procurado estelionatário. Impulsionado pelo magnetismo de Black e por engraçadíssimos números musicais, a dupla de realizadores é sagaz ao realçar o absurdo por trás do episódio, flertando habilmente com a comédia de erros ao tratar a realidade com ironia e uma piedosa dose de condescendência. 



Sem se levar a sério por um segundo sequer, o roteiro assinado por Forbes e Wolodarsky é cuidadoso ao tratar a história de Jan Lewan sem desrespeitar as vítimas. Embora opte por pintar o autointitulado Rei da Polca como uma figura doce, humana e um tanto quanto ingênua, o longa acerta ao em nenhum momento glamourizar os feitos do biografado, um músico persistente que, na ânsia de alcançar o estrelato, tirou do papel um inusitado esquema de pirâmide financeira. Entre piadas e situações naturalmente cômicas, o argumento é astuto ao explorar o sentimento de culpa do personagem, ao mostrar as coisas saindo do seu controle, refletindo sobre a ganância e a obsessão por trás dos clichês envolvendo a "terra da prosperidade". Por mais que o foco não esteja na crítica em si, Forbes e Wolodarsky encontram aqui uma perspicaz oportunidade de rir do atual momento dos EUA, da América das promessas de crescimento e de dinheiro fácil. Um subtexto atual que, mesmo tratado com descompromisso, eleva o nível da trama.


O grande diferencial de O Rei da Polca, entretanto, está na desenvoltura com que o roteiro traduz a ascensão e a queda do infame Jan Lewan. No embalo da afiada montagem, criativa ao utilizar os exóticos números musicais como uma esperta ferramenta de transição temporal, Forbes e Wolodarsky extraem o máximo de Jack Black ao valorizar a face mais extravagante e visionária do músico. Com um sotaque engraçadíssimo e uma performance expansiva, o ator cria uma figura persuasiva e cativante, um homem com sonhos gigantes que trocou os pés pelas mãos para conseguir alcança-los. Ao longo das enxutas 1 h e 35 min de projeção, a dupla de diretores arranca honestas risadas ao não só se aprofundar na disfuncional relação familiar do cantor, como também no modo encontrado por ele para alcançar seus feitos. Sim, embora seja difícil acreditar, Jan conheceu o Papa, foi indicado a um Grammy e se tornou uma personalidade local. Uma série de feitos que, graças à descolada extravagância de Forbes e Wolodarsky, rendem uma série de situações genuinamente divertidas. Por diversas vezes, inclusive, a dupla bebe da fonte de nomes como os de Wes Anderson, um traço potencializado pela colorida fotografia e hilária presença de Jason Schwartzman no elenco, colocando um pé no cinema 'indie' ao se encantar pela surrealidade dos fatos. Sem querer revelar muito, todo o subplot na Itália é impagável, principalmente por se concentrar na relação entre Jan e Mickey (Schwartzman).


Melhor ainda, aliás, é a interação entre Jan, a sua esposa, a relutante Marla (Jenny Slate), e a sua sogra, a desconfiada Barb (Jacki Weaver). Mesmo com tantas possibilidades em mãos, Maya Forbes e Wallace Wolodarski acertam ao valorizar a dinâmica do trio, ao realçar tanto a frustração de uma mulher eclipsada pelo seu radiante marido, quanto às suspeitas da incrédula matriarca, pontuando a trama com singulares conflitos pessoais. Dois arcos simples, mas eficientes, principalmente pelos afiados trabalhos de Slate e Weaver. Enquanto a jovem comediante enche a tela de carisma ao interpretar uma devotada esposa, a veterana - como de costume - rouba a cena ao encarar a explosiva sogra, uma figura inteligente que protagoniza algumas das melhores sequências do longa. Por outro lado, nos momentos em que o roteiro tenta extrair peso dramático dos personagens, os realizadores não conseguem alcançar o mesmo padrão de qualidade, o que reduz o impacto em torno do choque de realidade defendido pelo apressado clímax. Em suma, fiel aos acontecimentos, O Rei da Polca cativa ao mostrar o lado b do "American Way of Life". Embora não cause o impacto de títulos recentes como O Lobo de Wall Street e A Grande Aposta, a nova aposta original da Netflix é astuta ao ir além dos fatos, encontrando numa histriônica história real a possibilidade de rir de alguns velhos clichês em torno do sonho americano. E isso ao ritmo de Polca, o que só torna tudo mais estranhamente divertido.

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