quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

I Am Heath Ledger (Eu Sou Heath Ledger)

A inquieta essência de um artista

Heath Ledger precisou de menos de uma década para se tornar uma reluzente estrela do cinema. Carismático, charmoso e naturalmente talentoso, o saudoso ator australiano despontou como o astro dos sonhos em Hollywood. Mas ele não queria isso para a sua vida. Aberto a novas experiências cinematográficas, Ledger não se contentou em seguir o caminho mais fácil. Diante de projetos cada vez mais autorais, ele decidiu se entregar a sua arte, aos seus personagens, um complexo processo de imersão que se torna bem claro no cativante documentário I Am Heath Ledger. Íntimo e delicado, o longa dirigido por Adrian Buitenhuis e Derik Murrayu é cuidadoso ao refutar alguns dos boatos que abasteceram os tabloides sensacionalistas após a sua morte, usando os seus filmes como um inspirado ponto de partida para pintar um retrato comovente sobre um jovem inquieto e obstinado que "adorava viver no limite". 


Como Heath Ledger era um ator avesso aos holofotes, o documentário faz um primoroso uso das imagens de arquivo ao realçar a essência e o virtuosismo deste verdadeiro artista da Sétima Arte. Com uma montagem ágil e reveladores depoimentos, o longa acerta ao tentar entender o homem a partir da sua obra, reforçando a inquietude criativa do biografado ao expor a sua intensa relação com a câmera. Apesar do seu desconforto quanto ao viés midiático da sua profissão, Heath Ledger era um "cinematografista" contumaz com uma visão de mundo bem particular, o que só reforça o nível de pessoalidade proposto pela dupla de diretores. Não espere, portanto, imagens de arquivo tradicionais, com depoimentos banais ou desinteressantes. Na verdade, as cenas exibidas no doc se mostram quase sempre sensoriais, uma visão artística sobre a sua própria realidade, como se Ledger não só quisesse armazenar em filme (ou num HD) as suas experiências, mas também se aprimorar tecnicamente durante este processo. Guiados por estas preciosas imagens, Adrian Buitenhuis e Derik Murrayu são astutos ao darem voz àqueles que mais conviveram com ele. Como o biografado praticamente não se manifesta ao longo dos envolventes 90 minutos de película, o que diz muito sobre a sua complicada relação com o mundo do 'show biz', os dois esbanjam sutileza ao tentar extrair o máximo dos excelentes entrevistados, oferecendo ao espectador uma visão humana sobre um jovem ator em constante amadurecimento. 


Contando com o apoio dos familiares de Heath Ledger, o documentário roteirizado por Hart Snider faz um excelente uso dos sinceros depoimentos, elevando o nível da tradicional narrativa linear ao realçar a forte conexão entre o biografado e os entrevistados. Mais do que simplesmente dar voz a família, o longa acerta ao tratar todos como iguais, seja a grande estrela de Hollywood, seja o velho amigo das grandes aventuras, mostrando a importância que Ledger teve na vida de cada um deles. O que fica bem claro, por exemplo, quando vemos a maneira amorosa com que nomes como os de Ben Harper (músico e amigo) Naomi Watts (atriz, amiga e ex-namorada de Ledger), Ben Mendelsohn (ator e amigo) e Djimon Hounsou (parceiro de cena no filme Honra e Coragem) se referem a ele, uma reação tão natural que só reforça o quão magnética era a figura do astro. Mais do que simplesmente se concentrar no aspecto artístico, o doc encanta no momento em que mostra o Heath Ledger amigo, o cara que, já numa situação mais confortável dentro da indústria, abriu a sua casa para receber os seus conterrâneos, abrigando nomes como os dos atores Joel Edgerton, Rose Byrne e o próprio Mendelsohn. Conhecemos então uma estrela de Hollywood caseira, que gostava de estar sempre em contato com a arte (fotografia, música, filmes) e não abria mão dos seus parceiros mais próximos. É legal ver, inclusive, o espaço dado ao Ledger diretor de clipes, uma faceta pouco conhecida que só ajuda a atestar o talento do ator também atrás da câmeras. O vídeo não me deixa mentir. 


É no momento em que se debruça sobre a sua carreira, entretanto, que I Am Heath Ledger alcança os seus momentos mais impactantes. Embora peque pela falta de contundência em alguns trechos, principalmente quando o assunto é a deterioração emocional do jovem ator diante do sucesso, Adrian Buitenhuis e Derik Murrayu são criteriosos ao revelar tanto a face mais virtuosa de Ledger, quanto o seu perigoso perfeccionismo. Com um louvável poder de síntese, a dupla consegue unir os inúmeros trabalhos numa sólida linha narrativa, permitindo que o espectador acompanhe a evolução dele enquanto ator, a sua completa (e desgastante) dedicação aos seus papéis e a sua incrível capacidade de se transformar a cada filme. Indiscutivelmente, Ledger estava sumindo nos seus personagens, um trabalho singular que alcançou o seu ápice no assustador Coringa de Batman: O Cavaleiro das Trevas. Em meio ao discurso reverencial, entretanto, o documentário é sutil ao revelar as consequências por trás deste minucioso trabalho. Ainda que involuntariamente, a medida que o longa avança os depoimentos se tornam mais agridoces, as preocupações são verbalizadas de maneira mais franca. Se por um lado o roteiro falha ao não se aprofundar no impacto do rompimento com a atriz Michelle Williams (ausente no doc) na rotina de Ledger, por outro o filme acerta ao traduzir o seu desgaste diante da sua quase obsessiva busca pela melhor atuação, escancarando a fragilidade física do astro, a sua desafiadora insegurança e o seu crônico distúrbio de sono. Ledger convivia com problemas, com dilemas pessoais comuns a qualquer ser humano, e a película, mesmo que nas entrelinhas, não foge da raia ao revela-los, como fica bem claro no honesto e emotivo depoimento de Djimon Hounsou. 


Respeitoso quanto à imagem do biografado, o que explica, em parte, a (exagerada) proteção de alguns dos seus conflitos pessoais, I Am Heath Ledger refuta as teorias mais oportunistas ao mostra-lo como um jovem inquieto e criativo, uma figura fascinante que não se contentou em ser apenas mais uma estrela de Hollywood. Fazendo um inteligente uso do poder de sugestão no último ato, Adrian Buitenhuis e Derik Murrayu podem até reverenciar a obra, mas se encantam verdadeiramente pelo homem, pelo indomável australiano que iluminava a quem o cercava com o seu amor pela vida, pelos amigos e pela sua arte. 

3 comentários:

Unknown disse...

Excelente post, bom ator como Djimon Hounsou. Um dos aspectos mais importantes de cada produção é o seu elenco, pois deles despende que a história seja caracterizada corretamente. Acho que em Rei Arthur a Lenda da Espada fizeram uma eleição excelente ao eleger os atores,sobre tudo ancho que é umo dos melhores da Djimon Hounsou filmografia . Gostei muito desta história, acho que é perfeita para todo o público.

Unknown disse...

Excelente postagem Thiago sobre o documentário que nos trás um pouco mais sobre esse grande ator. Acho q um dos grande prob de Ledger foi incorporar demais os personagens, e temos como exemplo maximo seu brilhante Coringa, o q certamente lhe trouxe e acentuou ainda mais problemas físicos (insônia e outros).

thicarvalho disse...

Engraçado, eu também tinha essa mesma interpretação. O Coringa é um personagem muito desafiador. Mas vendo o documentário a minha impressão mudou. Heath Ledger me pareceu alguém já com problemas. A impressão que fica é que ele estava muito feliz em viver o vilão. Pessoalmente, porém, ele vinha enfrentando algumas duras batalhas. Uma situação muito triste.