sexta-feira, 7 de julho de 2017

Homem-Aranha: De Volta ao Lar

Os fãs do Amigão da Vizinhança agradecem

Numa parceria nunca antes vista na história do gênero, dois estúdios concorrentes resolveram unir as suas forças para solidificar (como se fosse preciso) o consagrado Universo Cinematográfico Marvel. Responsável por introduzir a versão cinematográfica do popular Peter Parker no início dos anos 2000, a Sony se tornou peça chave na retomada dos filmes de super-herói com a elogiada trilogia Homem-Aranha. Por mais que a "derrapada" no lamentável terceiro longa seja ainda hoje lembrada, o diretor Sam Raimi conseguiu nos dois primeiros títulos, em especial no segundo, resgatar o forte senso de altruísmo presente nas clássicas historias em quadrinhos, dando ao carismático herói um papel de destaque num momento singular para o segmento. Com o passar dos anos e a consolidação do MCU, entretanto, o Amigão da Vizinhança perdeu o seu status. Enquanto a Fox investia pesado nos X-Men, a Disney nos Vingadores e a Warner na trilogia Cavaleiro das Trevas, a Sony até tentou uma reação, mas O Espetacular Homem-Aranha (2012) se revelou um projeto com data de validade vencida. Apesar da dedicação do talentoso Andrew Garfield e dos inegáveis predicados visuais do longa, a nova franquia nunca deu o retorno esperado, muito em função da evidente falta de originalidade do projeto, abreviando assim as precipitadas intenções comercias da empresa. Sem ter para onde correr após a decepção com O Espetacular Homem-Aranha 2 (2014), a Sony se viu sentada numa mina de ouro improdutiva. Enquanto isso, no topo da "cadeia alimentar", a dobradinha Marvel/Disney planejava a sua mais ousada empreitada, a adaptação do arco Guerra Civil. Mesmo sabendo que a épica rixa entre o Homem de Ferro e o Capitão América já era boa o bastante para sustentar uma produção deste porte, Kevin Feige e os executivos do estúdio sentiam a falta de um algo a mais para o projeto.


Eis que, dois meses antes do início das filmagens, uma notícia agitou os fãs da cultura pop. No melhor estilo "se você não pode derrota-los, una-se a eles" a Sony decidiu negociar com a Disney e permitir que Peter Parker voltasse para a sua verdadeira "casa". Num acordo lucrativo para ambas as partes, enquanto a Disney ganhou a possibilidade de utilizar o herói no MCU sem qualquer tipo de restrição, culminando numa fantástica aparição em Capitão América: Guerra Civil (2016), a Sony não só manteve os direitos sobre o licenciamento do novo Vingador, como também a oportunidade de produzir os seus eventuais filmes solos. Melhor para os fãs do herói aracnídeo que, após anos de espera, puderam finalmente ver o Amigão da Vizinhança retornar às suas origens. De longe o melhor titulo solo do personagem desde Homem-Aranha 2 (2004), De Volta ao lar acerta ao não depender exclusivamente do viés super-heroico. Embora cumpra os pré-requisitos mais básicos do segmento, entre eles a presença de um ótimo vilão, de um plot realmente consistente e de empolgantes sequências de ação, o longa dirigido por Jon Watts se esquiva dos clichês dos filmes de origem ao valorizar a figura do jovem Peter Parker. Fiel ao estilo comédia 'high-school', o criativo realizador revigora o grandiloquente Universo Marvel com uma película simples e contida no seu próprio mundo, uma aventura engraçadíssima sobre um nerd deslocado em busca da popularidade e da garota perfeita. E isso, senhoras e senhores, é Homem-Aranha em sua mais pura forma.


Sem perder um segundo sequer com a batida história de origem do herói aracnídeo, o roteiro assinado pelos promissores Jonathan Goldstein (Quero Matar meu Chefe), John Francis Daley (Férias Frustradas), Christopher Ford (Frank e o Robô), Chris McKenna (Community), Erik Sommers (Lego: Batman) e pelo próprio Jon Watts é perspicaz ao deixar o aspecto super em segundo plano. Ainda que a jornada de ascensão do protagonista esteja diretamente ligada ao seu alter-ego super-heroico, o argumento foge do lugar comum ao realçar a faceta mais imatura de Peter, o seu deslocado status e os seus minúsculos desafios dentro do pacato ambiente escolar. O foco, na verdade, não está na descoberta dos seus superpoderes, nem tão pouco na construção do mito Homem-Aranha, mas maneira com que ele, um adolescente inquieto e bem intencionado, passa a conciliar a sua nova (e secreta) identidade com a rotina escolar. Watts é esperto, por exemplo, ao trata-lo como um garoto comum, indo de encontro aos demais filmes de origem do personagem ao não atrelar o seu crescimento pessoal ao simples surgimento dos poderes. Por mais que o longa associe o processo de amadurecimento do protagonista à sua afirmação enquanto super-herói, uma solução, diga-se de passagem, trabalhada com originalidade ao longo da película, o realizador é cuidadoso ao transitar por temas recorrentes bem no imaginário das novas gerações. Assim como qualquer jovem, o novo Peter quer ser reconhecido, andar com as suas próprias pernas, conquistar a sua independência, a garota perfeita, mas não tem a mínima ideia de como conseguir isso. E o seu popular alter-ego, aqui, mais atrapalha do que ajuda, o que rende uma série de situações divertidíssimas. Nas entrelinhas, inclusive, o roteiro é inteligente ao criar um inventivo paralelo entre a inusitada rotina de Peter e a puberdade, uma bem humorada analogia explorada com pontualidade na moderna relação familiar entre tia e sobrinho.


O grande diferencial de Homem-Aranha: De Volta ao Lar, porém, está na maneira com que o longa se volta para o universo 'high-school'. Buscando referência nos maiores clássicos oitentistas do gênero, entre eles Clube dos Cinco e Curtindo a Vida Adoidado, Jon Watts cativa ao resgatar o aspecto descompromissado das primeiras edições do herói aracnídeo. Com o faro apurado para uma boa piada, ponto para o ágil roteiro, o realizador é habilidoso ao brincar com os mais populares arquétipos do gênero, os utilizando para investigar a realidade de Peter (Tom Holland) no Ensino Médio. Após experimentar a euforia ao "roubar" o escudo do Capitão América (Chris Evans), o bem intencionado adolescente percebeu que estava longe de entrar para os Vingadores. Enquanto sonhava com a chance de combater grandes vilões, o Amigão da Vizinhança era obrigado a conviver com uma rotina bem menos "glamorosa" no colégio. Tratado com certo desdém pelos seus colegas mais populares, entre eles o provocador Flash (Tony Revoroli, ótimo) e a "cobiçada" Liz (Laura Harrier, funcional como um simpático interesse amoroso), Peter contava com a amizade dos igualmente deslocados Ned (Jacob Batalon) e Michelle (Zendaya). A sua tão aguardada oportunidade de "brilhar", no entanto, surge no momento em que ele cruza o caminho do perigoso Abutre (Michael Keaton), um homem visionário que fez fortuna ao utilizar destroços alienígenas na construção de poderosas armas. Na base da empolgação, Peter resolve contrariar o seu mentor, o gênio Tony Stark (Robert Downey Jr.), ao tomar as rédeas desta investigação particular, sem sequer desconfiar dos perigos que o cercavam.


Impecável ao estabelecer não só o arco pessoal do herói aracnídeo, como também a engraçadíssima rotina do adolescente nos corredores da escola, Homem-Aranha: De Volta ao Lar é igualmente sagaz ao explorar o lado super da película. Embora se mantenha imerso no universo do seu próprio personagem, Jon Watts, num primeiro momento, é genial ao situar a relação do longa com os demais filmes do MCU. Numa solução narrativa estilosa e totalmente coerente com a pegada 'cool' proposta pelo filme, o diretor investe num formato bem atual, o vlog, ao revelar o começo da relação entre Peter e Tony, assim como os "bastidores" da épica batalha entre o time Capitão América e o time Homem de Ferro. Fazendo um criativo uso dos 'easter-eggs', que se integram à trama de maneira harmoniosa, Watts é inventivo ao se conectar também com o passado da franquia, mais precisamente com a invasão alienígena do primeiro Os Vingadores (2012), encontrando um interessante contexto para a introdução do ótimo vilão, o complexo Abutre. Impulsionado pela ameaçadora presença de Michael Keaton, o antagonista desponta como uma das grandes surpresas do longa, uma figura multidimensional, com um arco bem escrito, que até merecia um tempo maior de tela. Isso porque, na ânsia de proteger os segredos em torno de uma inspirada reviravolta, Watts evita se aprofundar nas motivações do personagem, o que se revela uma das poucos deslizes do roteiro. Ao menos, aqui, essa opção rende uma sequência fantástica, um momento tenso e original bem raro no universo super-heroico.


Outro ponto que agrada, e muito, é a maneira com que Jon Watts traduz as desastradas incursões do jovem Homem-Aranha. Equilibrando ação e comédia com enorme precisão, o realizador investe em cenas descoladas, potencializadas pela afiada trilha sonora, pela forte veia cômica do herói e pela colorida fotografia de Salvatore Totino (Frost\Nixon). Ao longo da primeira metade da trama, inclusive, o diretor nos brinda com momentos impagáveis, a maioria deles envolvendo a postura desastrada do entusiasmado Peter Parker e a sua frustração diante da falta de grandes oponentes. Numa solução autoral, Watts aposta em imponentes planos abertos\panorâmicos, arrancando sinceras risadas ao capturar as trapalhadas do Amigão da Vizinhança durante o seu processo de aprendizado. Num todo, aliás, apesar de menores e mais básicas, as sequências de ação são engenhosas, empolgantes e conseguem realçar tanto a forte veia altruísta do personagem, quanto capturar os movimentos "posados" mais clássicos do herói aracnídeo. Não se engane, porém, com a aparente despretensão envolvendo os conflitos do protagonista. Mesmo sem martelar uma única vez o mantra "grandes poderes trazem grandes responsabilidades", De Volta ao Lar é o filme que talvez explore com maior naturalidade os perigos em torno dos inconsequentes atos de Peter Parker. Se pararmos para analisar bem, a maior parte das situações de ameaça pública são ocasionadas pela simples (e imatura) presença do herói aracnídeo, comprovando a sutileza de Watts ao expor o impacto do seu despreparo na rotina dos inocentes.


Direção criativa, roteiro sólido, humor afiado, nenhum destes predicados, entretanto, superam a magnífica presença de Tom Holland. Após roubar a cena em Capitão América: Guerra Civil, o jovem ator cumpre as elevadas expectativas ao entregar o Homem-Aranha que todo mundo sempre quis ver: o adolescente nerd, ingênuo e feliz em se tornar o herói aracnídeo. Com um excepcional 'timing' cômico e uma magnética presença cênica, Holland cria um tipo naturalmente desastrado, e por consequência hilário, um garoto comum dividido entre salvar o dia e se afirmar no colégio. Mesmo completamente uniformizado, ele consegue traduzir a inocência do seu Peter, a sua falta de preparo para a ação, dando ao novo Amigão da Vizinha uma espontaneidade impulsiva que funciona brilhantemente. Um mérito que, verdade seja dita, precisa ser dividido com a equipe de animadores, vide o excelente trabalho na composição do traje 'hi-tech' e do expressivo olhar "ajustável" da máscara.


Nem só de Peter\Tom, porém, vive o longa. Fazendo um bom uso do entrosado e diversificado elenco, Jon Watts permite que cada um dos coadjuvantes contribua para a extraordinária dinâmica do filme, principalmente o eufórico melhor amigo Jacob Batalon e a sarcástica Zendaya, ressaltando a sincera conexão entre os personagens através de diálogos genuinamente engraçadosUm desempenho tão consistente e harmonioso que nos faz esquecer, até mesmo, da presença de Robert Downey Jr., bem menos atuante do que a prévias pareciam sugerir. E esse, indiscutivelmente, é o grande mérito de Homem-Aranha: De Volta ao Lar. Embora tenha nascido de uma estratégia comercial, a mais nova produção do MCU não só se justifica enquanto um entretenimento de qualidade, como também se sustenta com as suas próprias pernas, mostrando a força do Amigão da Vizinhança numa aventura pop, revigorante e fiel às origens deste popular super-herói.


Obs: De Volta ao Lar tem duas cenas pós-créditos, a segunda, inclusive, é genuinamente provocante, mas nenhuma delas supera a hilária sequência final protagonizada pela charmosa Tia May\Marisa Tomei. 

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