sexta-feira, 16 de junho de 2017

Brooklyn

Entre a razão e a emoção

Belo e revigorante, Brooklyn é um filme apaixonante, um romance delicado e genuinamente feminino que surgiu como um radiante facho de luz no acinzentado radar de Hollywood. Fiel ao padrão de qualidade do cinema britânico, reconhecidamente uma fonte de inspiração dentro deste desgastado segmento, o longa dirigido por John Crowley se revela uma história extremamente humana, um relato comovente sobre uma jovem dividida entre a razão e a emoção. Sem nunca julgar as atitudes dos seus personagens, o realizador irlandês esbanja sensibilidade ao falar sobre o amor no seu sentido mais amplo, indo além dos açucarados clichês românticos ao valorizar sentimentos tão puros. Impulsionado pelo fantástico roteiro e pela acolhedora atmosfera cinquentista, Crowley constrói uma película recheada de predicados estéticos e narrativos, uma obra com natureza otimista capaz de nos fazer enxergar o melhor do ser humano. Além disso, o longa é inteligente ao acompanhar a ascensão de uma independente figura feminina, a origem do arquétipo da mulher moderna, um arco relevante defendido com maestria pela talentosa jovem Saoirse Ronan.




Não se engane, entretanto, com as aparências. Muito mais do que um mero romance adocicado, Brooklyn nos brinda com um precioso relato histórico, um olhar singelo sobre a jornada daqueles que construíram os EUA: os imigrantes. Embora o foco esteja na protagonista, a introvertida Ellis (Saoirse Ronan), o argumento assinado por Nick Hornby (Educação, Alta Fidelidade) é sutil a traduzir o turbilhões de emoções enfrentados pela jovem irlandesa. Ainda que na transição para o terceiro ato o longa se prenda às questões mais românticas\sentimentais, o roteirista é cuidadoso ao estabelecer os conflitos da imigrante, a sua dor, insegurança e processo de adaptação neste novo país. Sempre sob o prisma feminino, Hornby se distancia dos clichês ao tratar o amor dentro um contexto tão puro, ao se debruçar não só sobre os dilemas amorosos de Ellis, como também sobre os seus mais íntimos problemas familiares, a sua forte conexão com a terra natal e o seu complicado processo de amadurecimento em solo estrangeiro. Com um texto precioso em mãos, John Crowley se esquiva das soluções fáceis ao mostrar um bem vindo fascínio pelo fator humano, pela envolvente jornada da protagonista, nos brindando com um arco individual sólido e bem delineado. Sem querer revelar muito, a “transformação” de Ellis é conduzida com enorme inspiração, culminando num clímax revigorante e totalmente coerente com a postura independente da personagem. Um olhar universal e bem realístico sobre o empoderamento feminino. Sobre a capacidade de uma mulher tomar as rédeas de sua vida e encarar as consequências das suas decisões sem olhar para trás.


Impecável ao estabelecer as nuances emocionais desta marcante protagonista, John Crowley é igualmente habilidoso ao trazer o romance para o centro da trama. Mesmo inserido num contexto bem específico, a respeitosa década de 1950, o longa trata a relação entre Ellis e o jovem Tony (Emory Cohen) com enorme espontaneidade, tornando a gradativa aproximação dos dois harmoniosa aos olhos do espectador. Com ótima química em cena, Ronan e Cohen criam um casal bem agradável, uma relação cativante potencializada pelos marcantes personagens de apoio (os diálogos na pensão são  divertidíssimos) e pela aconchegante fotografia em tons pastéis de Yves Bélanger. Reparem, no entanto, a preocupação do cinematografista ao colocar Ellis no centro dos planos, ao reforçar a sua magnética presença em cada uma das cenas, um cuidado que se torna evidente, por exemplo, quando ele realça os belos olhos azuis da atriz, os seus encaracolados cabelos ruivos ou até mesmo as mudanças nos trajes da personagem. É ai, aliás, que chegamos a elegante condução de John Crowley. Procurando sempre valorizar o nítido entrosamento do elenco e a fluidez dos diálogos, o realizador investe numa direção tradicional, mas bem orquestrada, um trabalho intimista marcado pelos imersivos planos médios, pelos expressivos enquadramentos abertos e pelos suaves cortes de cena. Nas sequências externas, inclusive, Crowley é sensível ao destacar as diferenças estéticas entre a bucólica paisagem irlandesa e o radiante cenário urbano norte-americano, dando ao longa uma roupagem visual digna dos grandes clássicos britânicos do gênero. Méritos que precisam ser divididos com a classuda direção de arte, minuciosa ao reproduzir os trajes e a ambientação interna dos anos 50. 


Como um filme genuinamente feminino, entretanto, o grande diferencial de Brooklyn reside na soberba atuação de Saoirse Ronan. Após brilhar no excepcional Desejo e Reparação, a talentosa atriz invade a fase adulta com um desempenho único, um trabalho memorável e repleto de sentimento. Sem nunca se render aos clichês do “sexo frágil”, Ronan cria uma Ellis forte e determinada, uma irlandesa capaz de sofrer calada e se moldar ao ambiente que a cerca. Com uma performance crescente, ela vai da retraída imigrante à corajosa mulher com rara naturalidade, colocando a sua Ellis no 'hall' das grandes personagens femininas da nova geração. Em suma, por mais que o roteiro se renda a algumas soluções mais convencionais na transição para o último ato, o pretendente irlandês interpretado pelo excelente Domhnall Gleeson, por exemplo, surge abruptamente dentro da trama, Brooklyn se revela uma obra rara, um olhar amoroso e reconfortante sobre as relações humanas e a cumplicidade em tempos de crise. Além disso, o longa é suficientemente maduro ao mostrar que a independência não precisa estar ligada, necessariamente, a atitudes drásticas, mas basicamente à capacidade de se romper com os laços que nos impedem de crescer. E essa, apesar do viés feminino proposto pelo filme, é uma lição completamente universal. 

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