quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Relatos Selvagens

Longa se aproveita do temperamento latino para promover uma pulsante sátira sobre a vingança

Representante argentino na corrida por uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Relatos Selvagens empolga ao promover uma ousada sátira sobre a vingança. Conduzida com extrema inspiração por Damián Szifron (Tempo de Valentes), responsável não só pela direção, como também pelo roteiro, o longa flutua entre os gêneros ao apresentar um recorte de seis histórias motivadas pelo revanchismo e pela fúria. Apostando num humor-negro refinado, que se mostra impecavelmente presente em todas as passagens, o realizador encontra no temperamento explosivo dos argentinos uma alternativa precisa para reproduzir a inconsequência dos nossos atos perante as injustiças da vida. Isso sem economizar na violência, na originalidade e no vigor de suas fábulas sociais.



Explorando um proposital tom exagerado, que amplia algumas situações comuns ao nosso dia a dia, Damián Szifron se aprofunda no aspecto mais obscuro da natureza humana para traçar um relato irônico e contundente sobre a ausência de limites dentro da sociedade atual. Indo das agressões mais banais, como no espetacular jogo de gato e rato entre dois motoristas numa estrada deserta, aos dilemas mais sóbrios, como no conto mais dramático envolvendo um pai bem sucedido e a sua tentativa de evitar que o filho pague por um crime cometido, o realizador mostra através desta jornada de vingança como a instabilidade emocional, combinada com certa dose de ira, pode gerar as reações mais intempestivas possíveis. Para isso, apesar das passagens beirarem sempre o absurdo, o argumento trabalha em cima de motivações sabidamente recorrentes, como a traição, as ofensas pessoais, a agressão e a injustiça social. Situações que, nas mãos carregadas de Szifron, só potencializam a teoria de Isaac Newton e o senso comum de que "toda ação gera uma reação".


Com base nesta premissa repleta de brutalidade, o longa não ameniza ao mostrar pessoas comuns em meio as mais impactantes atitudes. Apostando nesta narrativa recortada, as seis histórias apresentadas não tem qualquer tipo de vínculo, sendo guiadas somente pela selvageria dos personagens e pelo saboroso humor presente no roteiro. Diferente da maioria dos longas deste gênero, incluindo ai o nacional Rio, eu Te Amo, Damián Szifron é certeiro ao construir seis histórias igualmente impecáveis, que se equilibram mesmo com tons e gêneros completamente diferentes. Fugindo sempre do lugar comum, o promissor realizador é brilhante ao explorar não só a inusitada trilha sonora assinada por Gustavo Santaolalla (Babel), que foge do lugar comum ao utilizar uma balada pop para embalar uma briga ou uma canção clássica para guiar um plano explosivo, como também a elaborada fotografia de Javier Julia, que cria seis distintas atmosferas num mesmo trabalho. Além disso, Szifron demonstra versatilidade na condução dos imprevisíveis contos, permitindo que a trama passeie por uma série de gêneros de forma precisa. Pra se ter a noção exata, o longa se inicia com uma espécie de suspense envolvendo uma maquiavélica vingança coletiva, vai à ação num conto nitidamente inspirado em O Encurralado e passa pelo terror na história de uma garçonete diante de um inesperado cliente. Contando com a produção executiva de Pedro Almodôvar (Volver), o realizador também presta uma "homenagem" à comédia melodramática do espanhol, narrando as desventuras de uma noiva surtada que descobre a traição do marido em pleno casamento.


Nenhum destes impecáveis contos, no entanto, se equivale ao genial argumento liderado por Ricardo Dárin (O Segredo dos Seus Olhos). Com uma crítica quase anárquica, Damián Szifron surpreende ao conduzir essa história de indignação contra a burocracia, a corrupção e a ineficiência do estado. A partir de uma situação aparentemente comum, um injusto reboque de um veículo, o conto narra a história de um engenheiro de implosões que vê a sua vida degringolar após não conseguir chegar ao aniversário de sua única filha. Ao mostrar um rompante de fúria sob o ponto de vista de um homem que trabalha com explosões, o diretor\roteirista deixa claro não só a sagacidade por trás do conto, como também acaba antecipando o ápice do longa, ofuscando as duas - ótimas - últimas passagens. Nada que atrapalhe o resultado final de Relatos Selvagens, um retrato cruel e ácido sobre uma sociedade que parece fora de controle. Vide os indícios apresentados diariamente nos principais telejornais do nosso país.

Um comentário:

Hugo disse...

Está na minha lista para assistir.

Abraço