quarta-feira, 5 de março de 2014

Sem Escalas

Primeira grande surpresa do ano, longa é envolvente do inicio ao fim


Não se engane com a aparente previsibilidade da trama. O suspense de ação Sem Escalas é um dos primeiros bons trabalhos do gênero em 2014. Conduzindo de forma competente pelo diretor espanhol Jaume Collet-Serra (Desconhecidos), o longa surpreende pela forma como administra toda a tensão envolvendo a sua história. Apostando na reciclagem de fórmulas consagradas, num competente elenco, e na excelente atmosfera criada, Collet tem como grande trunfo a presença do astro Liam Neeson. Do alto dos seus 61 anos, o ator irlandês se tornou uma das grandes sensações do cinema de ação atual, repetindo aqui os marcantes desempenhos dos ótimos Busca Implacável e A Perseguição. Um longa de aparência despretensiosa, que apesar dos inevitáveis clichês, acaba nos apresentando interessantes soluções e questionamentos sobre as estratégias de segurança aérea norte-americana. 

Criando a tensão desde a primeira cena, Collet-Serra mostra perícia ao construir todo o suspense envolvendo essa interessante premissa envolvendo o grande temor norte-americano: o terrorismo. Como se não bastasse a atmosfera mais estressante envolvendo os voos comerciais, destacada com eficiência, o diretor espanhol desenvolve muito bem todos os possíveis antagonistas deste sequestro aéreo. Explorando as muitas possibilidades da trama, o longa é preciso ao apresentar os passageiros como suspeitos. Ao destacar o início da rotina de trabalho de um agente federal, somos apresentados a uma série de personagens com uma "aura estranha". Muçulmanos, negros, sisudos, brancos, alcoólatras, todos são destacados de forma nebulosa, remetendo aos estereótipos que marcam essa paranoia norte-americana. Enfatizando a tensão criada a partir dos atentados de 11 de Setembro, o longa narra a história do agente Bill Marks (Liam Neeson), um "federal" que trabalha supervisionando a segurança dos voos nacionais e internacionais. Em mais um corriqueiro dia, Bill acaba sendo surpreendido com uma série de ameaçadoras mensagens. Sem saber quem é o autor, o agente inicia uma luta contra o tempo, já que esse misterioso sequestrador prometeu matar uma pessoa a cada vinte minutos. Tudo muda, no entanto, quando o próprio Bill passa a ser considerado um dos suspeitos e precisa lidar com a desconfiança dos passageiros.


Alimentando muito bem esse clima de angústia do protagonista, o roteiro assinado pelo trio John W. Richardson, Christopher Roach e Ryan Engle acerta ao criar um clima de que ninguém é confiável. Sem querer enganar o espectador com soluções mirabolantes, a trama aposta em personagens secundários bem concebidos, como a aeromoça Nancy (Michelle Dockery), o policial Austin (Corey Stoll), o médico Fahim Nassir (Omar Metwally), o passageiro inconveniente (Zach White) e o frágil Tom (Scoot McNairy), possibilitando não só um ótimo ritmo ao longa, mas também levantando uma série de dúvidas no público. Apesar do roteiro se apegar a alguns clichês e concessões desnecessárias, o suspense criado foge da previsibilidade, apresentando interessantes reviravoltas e mantendo o clima de mistério até o excelente clímax. Tudo isso com direito a ótimas cenas de ação, muito bem conduzida em lugares apertados, e pitadas de humor bem inseridas. Verdade seja dita, uma bem vinda válvula de escape para a quase incessante tensão apresentada.


O grande problema do filme, no entanto, fica pela relação de Bill com a sua companheira de assento Jen (Juliane Moore). Enquanto a conduta do oficial se mostra a mais verossímil possível, com direito a frequente desconfiança, o relacionamento dos dois é construído de maneira frágil. Uma grande forçada de barra dos roteiristas, que, na tentativa de criar alternativas para confundir o espectador, acaba concedendo um espaço - e importância - improvável para essa protagonista. Pelo menos o reconhecido talento de Moore salva o rumo da frágil personagem. Ainda sobre o elenco, vale lembrar da apagada participação da vencedora do Oscar Lupita Nyong'o. Uma figurante de luxo que, logicamente, rodou esse filme antes da explosão de 12 Anos de Escravidão.


Tensão interrupta, ação bem concebida, competente direção, reviravoltas contextualizadas, esses são alguns dos adjetivos que podem definir o competente Sem Escalas. Mais um desempenho eficiente do diretor espanhol Jaume Collet-Serra, que ao se inspirar nos melhores trabalhos recentes de Liam Neeson, consegue criar um daqueles raros filme de ação que não se originam a partir de heróis dos quadrinhos ou de personagens oitentistas. Um sufocante e empolgante entretenimento.

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