quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Cine Holliúdy

Apesar da rala trama, longa presta um grande serviço para o Cinema Brasileiro.

Como é bom, em meio a uma enxurrada de produções nacionais genéricas, ver que ainda há luz no fim do túnel. Que existem ainda realizadores dispostos a tentar fazer a diferença. Esse é o caso de Cine Holliúdy, uma comédia genuinamente brasileira, que se esforça ao máximo para conseguir apresentar um resultado original. Baseado em dois curtas metragens, assinados pelo próprio diretor Halder Gomes (Área Q), o filme acerta ao resgatar a inocência da comédia brasileira. Apostando em uma visão diferenciada sobre o nordeste brasileiro - nada de exploração da seca e da miséria - e numa série de carismáticos personagens, o longa acaba promovendo uma bela homenagem não só ao cinema, mas principalmente, a magia e o encanto que ele proporciona na rotina de vida de seus espectadores. 

Bebendo da fonte do clássico italiano Cinema Paradiso, Cine Holliúdy não tem o mesmo cuidado estético, nem tão pouco, uma trama tão elaborada. No entanto, o longa brasileiro se esforça - e diria que consegue -. mostrar a importância da sétima arte para a sociedade como um todo. Se Cine Paradiso mostra a paixão pelo cinema do jovem Totó, Holliúdy mostra essa relação envolvendo pai e filho, no caso Francisgleydisson (Edmilson Filho) e Francisgleydisson filho (Joel Gomes). As semelhanças, porém, param por ai, e o humor genuinamente brasileiro dá uma cara toda original ao longa. Com trama assinada pelo próprio Halder Gomes, o longa se passa durante a década de 1970, no interior do Ceará. Lá vive Francisgleydisson, um visionário dono de cinema, apaixonado por artes-marciais, que enfrenta uma série de dificuldades em função da chegada da TV nas cidades do interior. Com grandes exibições públicas desse advento tecnológico, o cinema acabou ficando esquecido. Ciente das dificuldades, Francisgleydisson, seu filho e sua esposa Maria das Graças (Miriam Freeland), resolvem arriscar uma última vez e levarem o seu cinema para uma outra cidade. Tentando fugir da chegada da TV, a família acaba parando na cidade de Pacatuba, que se encontra sem um Cinema. Lá, eles acabam esbarrando na burocracia, no interesseiro prefeito Olegrio Elpdio (Roberto Bomtempo), e na inusitada estreia do Cine Holliúdy.


Apostando muito mais nos carismáticos personagens, do que propriamente na rasa trama, Cine Holliúdy tem duas grandes sacadas. A primeira, e mais óbvia, fica pela ótima exploração dos trejeitos e sotaque do povo nordestino. Se autointitulando o primeiro filme falado em "cearensês", o longa brinca de forma extremamente original com todos os esteriótipos mais conhecidos. Mesmo com a história simples, a trama abre espaço para o desenvolvimentos de uma série de curiosos personagens, conseguindo assim encontrar um ótimo ritmo de piadas. Humor, diga-se de passagem, leve e bem construído, que não se apoia no inusitado e em cafonices. Temos então o prefeito fanfarrão, os policiais atrapalhados, o politico de oposição (por sinal hilário) o bêbado, o cego (ótimo desempenho do cantor Falcão), o padre bem humorado, a mulher mais "fácil", e muitos outros tipos, que acabam coexistindo de forma eficiente em cena. Como se não bastasse isso, Halder Gomes explora muito bem o regionalismo linguístico, apostando em diálogos hilários e essencialmente nordestinos. Somos apresentados então a expressões como "ai dento", "Ispilicute", "macho réi", "Tira a macaúba da boca!", "Mão de pêia" e muitas outras palavras, fato que acabou levando a genial ideia de lançar o filme legendado. Além disso, o fato de retratar um nordeste vivo, colorido e alegre, traz um peso maior a trama, fugindo do lugar comum que tem se tornado os filmes que retratam essa região.


O segundo grande destaque fica pela exploração das artes marciais. Na década de 1970, o kung-fu era febre em hollywood, tanto que por diversas vezes o nome de Bruce Lee é citado no filme. Ao invés, no entanto, de explorar filmes famosos, o longa acaba apostando em refilmagens no formato pastelão. As lutas exageradas e divertidas acabam funcionando, principalmente pelo fato do protagonista Edmilson Filho e do diretor Halder Gomes serem lutadores de Taekwondo. Por falar em referências, o longa acaba remetendo a vários outros filmes, sempre em tom de homenagem, como na fantástica cena que cita o longa 2001: Uma Odisseia do Espaço. Um dos grandes momentos do filme. Somado a esses fatos destacados acima, o longa acerta ainda na colorida fotografia, na trilha sonora repleta de canções bregas, e também no criativo elenco, com destaque total para Edmilson Filho, o típico herói brasileiro. Remetendo a grandes personagens, como Mazzaropi e Grande Othelo, Edmilson e o seu Francisgleydisson é aquele personagem que corre atrás, usa as suas armas para superas as dificuldades. Apostando em um humor leve, e na mistura de gags físicas e literais, o ator tem um surpreendente desempenho. Edmilson é acompanhado de perto pelo competente elenco de apoio, com destaque para o Prefeito vivido por Eduardo Bomtempo, pelo jovem Valdisney, e pela bela Miriam Freeland, muito bem vivendo a esposa Maria das Graças.



Uma das grandes surpresas de 2013, Cine Holliúdy chega ao sudeste cumprindo tudo o que prometia. Apostando na essência da comédia brasileira, e num certo clima nostálgico, o longa acaba conseguindo tirar risadas naturais do espectador, graças não só ao carisma do povo nordestino, mas também a qualidade dos personagens apresentados. No entanto, mesmo sem qualquer pretensão, o filme acaba não se resumindo a comédia, e deixa no ar uma bela e bem direcionada mensagem. Quase um clamor das massas, que anseia por uma das formas de entretenimento mais queridas pelo público: a sétima arte. 



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