quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Joy: O Nome do Sucesso

Jennifer Lawrence eleva o nível desta curiosa cinebiografia

Inspirado nos feitos de uma dona de casa sonhadora que construiu um império ao criar e patentear populares utensílios domésticos, Joy: O Nome do Sucesso adota um inesperado tom irônico ao acompanhar a ascensão da empreendedora Joy Magnano. Sob a batuta de David O. Russel, o longa ganha contornos no mínimo curiosos ao flertar com uma caricata linguagem novelesca, abraçando os melodramas ao investigar a rotina de mais uma disfuncional família norte-americana. Assim como em O Vencedor e O Lado Bom da Vida, o realizador exibe a sua reconhecida habilidade ao construir um irresistível 'mise en scène', explorando com certo encantamento esta exótica e inegavelmente divertida rotina familiar. Quando se volta para a jornada profissional de Joy, no entanto, a cinebiografia encontra os seus problemas e, mesmo incrementada por algumas espertas soluções visuais, perde parte de sua força num argumento que por vezes se mostra conveniente e previsível. Nada que atrapalhe a performance de Jennifer Lawrence, monstruosa ao traduzir o misto de emoções experimentadas por esta indomável personagem.


Através de uma narrativa não linear, que costura passado, presente e futuro com brevidade, o roteiro assinado pelo próprio David O. Russel desvenda a história da sonhadora Joy (Jennifer Lawrence), uma mãe divorciada que se multiplica ao tentar cuidar dos filhos, da casa e ainda trabalhar numa companhia aérea. Dando abrigo a sua solitária mãe (Virginia Madsen), uma mulher deprimida viciada em novelas, a sua otimista avó (Diane Ladd), uma das poucas que acreditam no seu potencial, e ao seu acomodado ex-marido (Edgar Ramirez), um cantor arruinado que se tornou o seu mais fiel amigo, Joy vê a sua atribulada rotina ganhar novos ingredientes quando o orgulhoso pai (Robert De Niro) volta para casa após levar um "chute" da atual esposa. Temendo se tornar mais um dos fracassos desta excêntrica família, Joy decide finalmente dar voz a sua inteligência e aos conselhos da sua avó. Após uma experiência doméstica dolorosa, ela cria uma espécie moderna e segura de esfregão, um revolucionário utensílio que poderia facilitar o trabalho de muitas donas de casa. Com pouca experiência mercadológica, Joy resolve se arriscar ao iniciar a sua própria empresa, enfrentando uma série de obstáculos, incluindo a falta de tato comercial da sua própria família, rumo ao sucesso num mercado masculino e naturalmente opressor.


Brincando com a linguagem novelesca, David O. Russel é perspicaz ao associar a rotina diária de Joy com as mais caricaturais produções da teledramaturgia. Desde a primeira sequência, uma risível encenação de um dos folhetins assistidos pela mãe da jovem inventora, Russel aposta em espertas referências à estrutura do gênero televisivo, incrementando a jornada de Joy com soluções estéticas particulares e irreverentes. Na melhor delas, os pesadelos da protagonista se transformam em afetadas cenas de novela, reproduzindo os medos e a insegurança dela com absoluta originalidade. Além disso, no melhor estilo novela mexicana, o realizador carrega nas tintas ao pincelar a dinâmica desta disfuncional família, ressaltando propositalmente o lado mais excêntrico por trás de cada um dos seus personagens. Ao longo do primeiro ato, inclusive, Russel transforma a abnegada relação entre Joy e os seus excêntricos parentes num prato cheio para o seu cômico 'mise en scéne', exibindo um ritmo invejável ao integra-los na subserviente rotina doméstica da protagonista. Méritos para o afinado elenco que, comandado por um excelente diretor de atores, preenche as brechas da primeira metade da trama com afinco e energia.


Quando se concentra na ascensão profissional de Joy, no entanto, o argumento não revela a mesma eficiência. Ainda que passeie com sutileza pela infância da prodígio personagem e por seus dilemas mais íntimos, David O. Russel se rende a soluções inegavelmente convenientes ao acompanhar a consolidação da independente empreendedora. Por mais que num determinado momento o realizador questione o idealizado conceito do "sonho americano", o caminho da protagonista parece se desenvolver com certa facilidade, já que o roteiro é superficial ao investigar, por exemplo, a parceria entre Joy e a sua dúbia investidora (Isabella Rossellini) ou a repentina confiança depositada pelo diretor de TV interpretado por Bradley Cooper. Mesmo num coadjuvante de luxo, aliás, o astro de O Lado Bom da Vida entrega uma performance confiante, contornando as limitações impostas pelo seu raso personagem ao protagonizar algumas das melhores sequências do longa. Pra ser sincero, Joy cresce em todos os sentidos a partir do momento em que a empresária é apresentada ao mundo das televendas. Russel, aliás, é igualmente cuidadoso ao reproduzir o misto de experiências enfrentadas pela inventora. Indo da euforia à humilhação, o realizador deixa a ironia de lado ao capturar as mais variadas expressões da sua protagonista, a colocando sempre no centro da ação mesmo nas sequências envolvendo a sua hilária família.


No momento em que Jennifer Lawrence surge em cena, porém, a maior parte dos problemas narrativos são amenizados. Numa das melhores interpretações da sua carreira, a atriz "engole" as nuances da indomável Joy, revelando de maneira nada panfletária a postura feminista da sua personagem. Contrariando o teor melodramático do longa, J. Law nos brinda com uma performance contida, sutil e magnética, lidando com temas naturalmente complexos com absurda maturidade. Convincente ao mostrar que por trás da aparente vulnerabilidade de Joy existe uma figura determinada e persuasiva, a atriz troca o grito pelo diálogo, o choro compulsivo pela lágrima solitária, o rompante de fúria pela ameaça silenciosa, comprovando o quão frutífera pode ser a parceria com David O. Russel. Num todo, aliás, o entrosado elenco preenche com categoria as brechas do argumento, ressaltando as características mais marcantes deste cativante núcleo familiar. Enquanto o veterano Robert De Niro entrega uma trabalho correto, traduzindo com humanidade os desvios de caráter de Rudy, a experiente Virginia Madsen rouba a cena com a depressiva Terry, se tornando o divertido elo com o caricato pano de fundo televisivo. Já o subaproveitado Edgar Ramirez surpreende como o fiel Tony, exibindo uma invejável química com Lawrence ao dar corpo a um adorável "casal de separados".


Encontrando na estupenda atuação de Jennifer Lawrence o seu verdadeiro diferencial, Joy: O Nome do Sucesso contorna os altos e baixos do roteiro ao evidenciar com encantamento e bom humor a tenacidade de uma divorciada mãe de família que fez do iminente fracasso o incentivo para o sucesso. Ainda que vacile em momentos cruciais, como no forçado desfecho envolvendo a avó da protagonista e na construção do apressado clímax, David O. Russel arrisca ao adotar uma inusitada linguagem novelesca, entregando um trabalho imperfeito, por vezes previsível e oscilante, mas que se distancia das soluções fáceis ao valorizar o lado mais humano por trás da jornada desta inabalável empreendedora. Uma mulher capaz de "invadir" um mercado tipicamente masculino e colocar em cheque o fragilizado mito do "sonho americano".

2 comentários:

Camila Navarro disse...

Jennifer Lawrence é incrível no filme, mostrou a força do personagem, também adorei o desempenho de Edgar, é um ator que as garotas amam por que é lindo, carismático e talentoso. Mãos de PedraE é um dos seus filmes mais recentes dele e ainda que não seja o melhor roteiro, visualmente nos limpa os olhos. Vi que vão a transmitir e na verdade não a perderei, para uma tarde de lazer é uma boa opção.

thicarvalho disse...

Concordo Camila. Grande atuação de Jennifer Lawrence. Um trabalho que eleva o nível do filme. Valeu pela visita.