quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Creed: Nascido para Lutar

Pedigree de campeão

Trazendo consigo o peso da franquia Rocky Balboa, Creed: Nascido para Lutar retoma com absoluta convicção o legado construído por este icônico representante da cultura pop mundial. Com uma missão extremamente delicada em mãos, já que a saga do "garanhão italiano" havia ganho um desfecho altamente satisfatório no sensível Rocky Balboa (2006), o diretor e roteirista Ryan Coogler não decepciona por um segundo sequer, presenteando os fãs deste querido personagem com uma continuação humana, comovente e naturalmente vigorosa. Responsável por convencer o velho Sly a retornar ao papel que o consagrou, num processo que demorou quase dois anos, o promissor realizador trilha um caminho original ao resgatar alguns dos elementos mais populares da hexalogia, encontrando na volúpia de Michael B. Jordan e na maturidade de Sylvester Stallone o misto de frescor e nostalgia que transformam o longa num dos títulos mais completos da série.



Reconhecido pelo contundente drama Fruitvale Station: A Última Estação, Ryan Coogler se mostra novamente um excelente contador de histórias ao dar mais "alguns rounds" para o veterano Rocky Balboa. Se distanciando do oportunismo comercial, o promissor realizador arrisca ao fazer do popular boxeador uma espécie de coadjuvante da sua própria franquia, abraçando uma renovada história de superação ao narrar a jornada de Adonis Creed (Jordan). Filho bastardo do pugilista Apolo Creed (Carl Weathers), Adonis teve uma infância difícil pelas ruas de Los Angeles. Sempre metido em brigas, o garoto acaba acolhido pela esposa de Apolo (Phylicia Rashad) após a morte da sua mãe biológica, tendo a oportunidade de crescer com todo o conforto numa mansão de luxo. Convivendo com o peso do sobrenome Creed e com o preconceito por sua excelente condição financeira, o agora adulto Adonis seguiu cultivando o sonho de se tornar um lutador profissional, participando, contra a vontade de sua madrasta, de pequenas lutas em solo mexicano. Disposto a seguir os passos do pai, Adonis deixa o luxo de L.A e parte para a Filadélfia à procura de Rocky Balboa (Stallone), acreditando que através do lendário pugilista iria não só conhecer um pouco mais sobre Apolo, mas também teria o treinamento necessário para se tornar um verdadeiro campeão. Reacendendo a chama do ex-campeão mundial, Adonis convence Rocky a ajudá-lo, construindo uma poderosa relação de amizade diante dos seus mais temidos adversários.


Valorizando como poucos os dramas dos seus personagens, Ryan Coogler é inesperadamente comedido ao contar esta irretocável história de superação. Por mais que a trama sugira aqui ou ali um flerte com o melodrama, o jovem realizador se esquiva das soluções fáceis ao desenvolver esta sincera parceria, traduzindo com leveza e humanidade os diferentes dilemas de Adonis e Rocky. A começar pelo jovem boxeador que, à sombra de Apolo, precisa se auto afirmar como um verdadeiro lutador de boxe. Numa bem vinda inversão, Coogler explora com habilidade o fato de Adonis ter crescido em berço de ouro, se distanciando das fórmulas que consagraram uma enorme leva de filmes do gênero, incluindo o próprio Rocky - O Lutador (1977). Desta forma, enquanto o bronco Rocky lutava contra a miséria por uma chance na década de 1970, o eloquente Adonis surge desafiando os fantasmas por trás do seu sobrenome, entrando no ringue não por um prato de comida, ou pelo dinheiro, mas pela possibilidade de trilhar o seu próprio caminho no mundo das lutas. Motivações que, de certa forma, se confundem com as próprias intenções de Creed: Nascido para Lutar, e, talvez por isso, tenham sido tão dignamente reproduzidas por Ryan Coogler. Afinal de contas, assim como o seu protagonista, o jovem diretor também lutou para que o seu longa pudesse trazer uma luz própria. E essa, sem dúvidas, é uma das maiores virtudes desta continuação, funcional seja como o sétimo capítulo da saga, seja como uma trama independente.


Ainda que siga uma cartilha bem estabelecida dentro da franquia, com destaque para a construção do grande clímax, Ryan Coogler é particularmente cuidadoso ao introduzir o agora aposentado Rocky Balboa. Fiel à cronologia da série, o "garanhão italiano" surge mais convicto após os episódios da sua última luta, vivendo das glórias do passado enquanto segue administrando o seu próprio restaurante. À medida que ele se aproxima do jovem Creed, no entanto, o seu personagem cresce em cena, principalmente pela forma como o argumento não o reduz a simples figura do mentor. Na verdade, numa interessante troca de experiências, enquanto Creed busca em Rocky informações sobre o seu finado pai e ensinamentos sobre o mundo do boxe, Rocky enxerga em Creed a possibilidade de ter novamente uma família e a iniciativa para enfrentar o seu adversário mais devastador. Costurando passado e presente com enorme categoria, Coogler traça um emotivo paralelo ao narrar a jornada destes dois lutadores, exibindo a sua versatilidade ao dialogar com temas naturalmente dramáticos. Em meio às edificantes lições do veterano lutador, utilizadas com sutileza ao longo do envolvente argumento, o diretor diverte e emociona com a mesma facilidade, evidenciando com perspicácia o impacto do envelhecimento na rotina deste icônico personagem. De maneira completamente inesperada, inclusive, Nascido para Lutar se revela um dos longas mais bem humorados da franquia, arrancando honestas risadas ao reproduzir a rotina de treinos preparada por Rocky.


A força motora de Creed, no entanto, reside indiscutivelmente no talentoso elenco, mais precisamente nas figuras de Michael B. Jordan e Sylvester Stallone. Novamente ao lado de Ryan Coogler, o astro do fracassado Quarteto Fantástico nos brinda com uma performance irretocável, daquelas que merecem todos os elogios. Reconhecido - justamente - como um dos atores mais promissores de Hollywood, Jordan assume o protagonismo da película com absurda maturidade, esbanjando carisma ao dar vida a um tipo complexo e vigoroso. Impecável nas sequências de lutas, o ator nos faz crer nas intenções do seu personagem, um pugilista instável e inteligente que só quer o reconhecimento, tornando a sua ascensão altamente atraente aos olhos do público. Na verdade, Michael B. Jordan cria o tipo de vínculo que nos faz torcer pelo jovem Creed, algo decisivo numa produção do gênero. Pra completa satisfação dos fãs, Sylvester Stallone surge cada vez mais integrado ao seu Rocky Balboa, nos brindando com uma brilhante atuação. Humilde ao aceitar a condição de coadjuvante dentro da sua própria franquia, Sly entrega um desempenho sincero e comovente, traduzindo o envelhecimento do ex-campeão do mundo com absoluta dignidade. Exibindo uma evidente química com Jordan, Stallone domina com rara sensibilidade as novas nuances do seu pugilista, indo do sábio ao errático com enorme convicção. É nos seus momentos de maior fragilidade, inclusive, que Coogler explora o que de melhor estes dois atores tem a oferecer, nos surpreendendo com sequências tocantes e inegavelmente emotivas.


Não se engane, porém, com a vocação dramática de Ryan Coogler. Com o soar do gongo, o jovem realizador nos brinda com algumas das melhores cenas de luta da franquia. Levando a sua câmera para dentro do ringue, ele captura como poucos a movimentação dos pugilistas, com direito a impressionantes planos sequências, injetando dinamismo aos dois grandes combates do longa. Contando com o primoroso trabalho da equipe de maquiagem, Coogler experimenta um nível de realismo poucas vezes vistos no gênero, potencializado pela nítida entrega física de Michael B. Jordan. Além disso, o diretor aposta em soluções visuais inventivas, dando uma repaginada à alguns dos momentos mais nostálgicos do longa. A cena da corrida pelas ruas da Filadélfia, por exemplo, ganha uma cara extremamente original, se tornando um dos muitos pontos altos do longa. Nesse sentido, aliás, é preciso elogiar a inventiva trilha sonora de Ludwig Göransson (Fruitvale Station), inspirada ao equilibrar os acordes setentistas com uma atualizada batida hip-hop. Por fim, ainda que dê uma ligeira vacilada no desenvolvimento da bela Bianca (Tessa Thompson), uma personagem interessante e independente que parece perder força ao longo da trama, Creed: Nascido para Lutar supera as elevadas expectativas ao não se resumir ao icônico Rocky Balboa. Em outras palavras, ao encontrar um caminho próprio para brilhar, este robusto drama esportivo mostra que, assim como Adonis, carrega consigo o pedigree de campeão.

Um comentário:

Renata Laffite disse...

Muito bom ponto de vista! Uma acertada escolha que traz peso dramático ao personagem de Sylvester Stallone (muito talentoso, muito em breve vai estrear o filme Fahrenheit 451), que não desperdiça a oportunidade e faz aqui uma interpretação memorável. Assim como Michael B. Jordan consegue passar a veracidade exigida para o seu Adonis, sempre muito conectado e lembrando em alguns andamentos os trejeitos de Carl Weathers. A fita também abre espaço para Tessa Thompson, onde faz uma figura que por sua vez enfrenta uma triste realidade que a cada dia parece mais próxima. Creed é um filme que consegue homenagear respeitosamente a obra de 76, apresentando personagens profundos e dando uma despedida digna a um dos maiores personagens do cinema.