domingo, 29 de março de 2015

Cinderela

Visualmente encantador, longa se esforça para resgatar a magia dos clássicos Disney


Enquanto os recentes 'Malévola' e 'Caminhos da Floresta' se arriscaram a tentar algo novo dentro do gênero, buscando dar uma roupagem diferente à alguns dos maiores clássicos da literatura infantil, a nova versão de Cinderela chega aos cinemas disposta a nadar contra esta corrente. Demonstrando um enorme zelo pela icônica animação de 1950, o longa dirigido por Kenneth Branagh (Thor e Frankenstein de Mary Shelley) parece se encantar verdadeiramente com a possibilidade de explorar a exuberância visual desta história, apresentando a magia deste clássico Disney a uma nova geração acostumada as salas em IMAX e as projeções digitais. Reproduzindo com maestria a aura inocente da versão animada, Branagh faz o seu "Bibbidi Bobbidi Boo" ao transformar um roteiro "apenas" eficiente num espetáculo colorido e esteticamente encantador. Uma atualização extremamente justificável, que encontra o seu vigor não só no esmero artístico de Branagh, mas também nas expressivas atuações da impecável Cate Blanchett e da carismática Lily James.

Procurando se manter fiel à premissa da fábula infantil, o argumento assinado por Chris Weitz segue um caminho mais conservador ao adaptar este popular conto de fadas. Optando por não explorar os famosos números musicais da animação, nem tão pouco a excentricidade narrativa da versão dos irmãos Grimm, o roteiro parece se contentar em promover uma modesta e bem trabalhada tradução literal, o que neste caso não se mostra um grande problema. Na verdade, por mais que a trama até se arrisque ao flertar com um coerente jogo de interesses entre a nobreza no último ato, o longa realmente convence pela forma verdadeira com que captura a essência desta obra, encarando com honestidade os sentimentos por trás deste romance pueril. Se apoiando com habilidade em inofensivas e certeiras pitadas de humor, que amenizam (até mesmo) a unidimensionalidade dos personagens, Cinderela narra a história de Ella (Lily James), uma jovem integra que vê a sua vida mudar com a morte dos pais. Levando a bondade e a gentileza como um mantra, a sonhadora mulher passa a sofrer nas mãos da rancorosa madrasta (Cate Blanchett) e das suas duas intragáveis filhas. Como a maioria já deve saber, Ella então se apaixona pelo príncipe encantado (Richard Madden) e contará com a ajuda de sua fada madrinha (Helena Bonham Carter) para dar uma chance a este amor.


Trazendo no currículo uma série de longas envolvendo a realeza, incluindo o seu reconhecido passado Shakespeariano, Kenneth Branagh comprova toda a sua categoria ao construir sequências requintadas e de extremo bom gosto. Numa época em que boa parte dos realizadores se rende exclusivamente aos efeitos digitais, o diretor faz questão de explorar o melhor dos "dois mundos", encontrando o equilibro perfeito ao trabalhar não só com os grandiosos e tradicionais sets de filmagens, cada um mais rico em detalhes que o outro, mas também com a ilimitação criativa possibilitada pelo advento do CGI. Contando com o luxuoso apoio da figurinista Sandy Powell (O Aviador), cujo trabalho salta os olhos através dos fascinantes trajes, e com a magnífica direção de arte do aclamado Dante Ferretti (A Invenção de Hugo Cabret), que só contribui para a imersão do público neste mundo de inocência e magia, Branagh empolga ao conceber um espetáculo esteticamente autoral e inevitavelmente encantador. Com destaque para a forma como ele usa as cores e os originais cenários para traduzir o próprio estado de espirito da donzela, demonstrando um misto de respeito e comedimento ao passear pelas oscilações emocionais do otimista casal de protagonistas.


Além do inspirado apuro visual, Branagh é também habilidoso ao explorar o competente elenco, que nem de longe se resume a impecável apresentação de Cate Blanchett. Arrasadora como a maquiavélica madrasta, a atriz consegue exprimir através do olhar o seu rancor e maldade, compondo uma antagonista linear, mas nada previsível. Do mesmo nível, aliás, é a atuação da carismática Lily James, completamente adorável como a radiante Ella. Por mais que o argumento não tente repaginar a sua personagem, a jovem atriz inglesa foge dos clichês ao construir uma donzela em perigo, mas não tão indefesa. Com uma dose a mais de coragem e personalidade, Lily James se entrega de corpo e alma a integridade de Cinderela, dando credibilidade a uma personagem repleta de utópicos anseios. Ela, inclusive, desenvolve uma invejável química com o competente Richard Madden, o Robb Stark da série Game of Thrones. Preciso como o respeitável príncipe encantado, Madden não tem um grande personagem em mãos, mas nitidamente faz o possível para aquecer o clima de faz de conta. A lamentar somente a breve presença da criativa Helena Bohan Carter, absolutamente impagável como a magistral fada madrinha.


Contando também com as presenças das "irmãs" Sophie McShera e Holliday Grainger (Downtown Abbey e Os Bórgias), caricatas na medida certa, Cinderela conquista ao não renegar as suas origens, se aceitando como um singelo conto de fadas em meio a uma horda voraz de explosivos blockbusters. Apostando suas fichas na delicadeza narrativa e no primor visual, Kenneth Branagh parece verdadeiramente se encantar com a possibilidade de resgatar a magia por trás das fábulas infantis, apresentando uma refilmagem pura, romântica e bem humorada. Ainda que em muitos momentos a sensação de "já vi isso antes" possa incomodar os mais experientes, sequências como a dança no castelo ou a transformação da carruagem em abóbora mostram o esmero do experiente diretor britânico ao reproduzir a atmosfera fantástica presente nas releituras das clássicas animações dos estúdios Disney.

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