sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Dois Dias, Uma Noite

A luta pela dignidade


Impulsionado pela surpreendente indicação ao Oscar da atriz Marion Cotillard (Piaf - Um Hino ao Amor), arrasadora no papel de uma fragilizada personagem, Dois Dias, Uma Noite é um drama comovente sobre a insensatez humana perante o caos financeiro. Utilizando a crise econômica européia como um contundente pano de fundo, os respeitados irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne (O Garoto da Bicicleta) discutem importantes questões morais ao narrar a dramática luta de uma mulher pela manutenção do seu emprego. Se esquivando do tom maniqueísta ao explorar as nuances comportamentais dos personagens, os diretores belgas encontram na abordagem intimista e na universalidade do argumento um caminho poderoso para mostrar o quão tênue é a linha entre o altruísmo e o individualismo.


Evitando qualquer tipo de firula técnica, os irmãos Dardenne vão direto ao ponto ao narrar de forma nua e crua os dilemas em torno da vida da bela Sandra (Cotillard). Se recuperando de um recente caso de depressão, ela contou com a ajuda do compreensivo marido Manu (Fabrizio Rongione) para finalmente se reerguer. Demonstrando estar preparada para voltar ao trabalho, Sandra é pega de surpresa com o anúncio de sua demissão, motivada por uma votação em que a maioria dos seus colegas de trabalho preferiram receber um bônus ao invés de mantê-la na equipe. Devastada com a notícia, ela encontra forças na amiga Juliette (Catherine Salée) para tentar convencer o seu chefe (Baptiste Sornin) a lhe readmitir. Comovido com o pedido, ele abre a possibilidade para uma nova votação, mas deixa claro que a única chance dela ser readmitida seria convencendo a maioria dos colegas a mudarem os seus votos durante o fim de semana. Na luta para superar a sua própria fragilidade emocional, Sandra enfrentará então as mais diversas reações para não só tentar reaver seu trabalho, mas também para encontrar um rumo para a sua vida.


Apostando numa abordagem elegante, que de maneira objetiva se distancia dos melodramas e da condescendência, os irmãos Dardenne conduzem esta insólita missão através de um olhar intimista. Com a câmera quase sempre em mãos, os diretores belgas parecem ávidos em capturar as expressões de Sandra, se aprofundando nos mais variados sentimentos desta mulher que abriu mão da vaidade para reconquistar o seu emprego. Impulsionado pela magnética atuação de Marion Cotillard, brilhante ao se apoderar das nuances da personagem, o longa é impecável ao reproduzir a oscilação emocional de Sandra diante das reações de seus colegas de empresa. Flertando sempre com a aura depressiva da personagem, movida a remédios tarja preta, Cotillard impressiona ao flutuar com naturalidade entre a fragilidade extrema e o ânimo da esperança, convencendo ao construir uma mulher que parece à beira de um surto emocional.


O ponto alto do longa, no entanto, fica pela maturidade com que o roteiro questiona as variadas reações durante esta densa jornada. Através de uma visão extremamente humana, no melhor e no pior sentido, os Dardenne são sutis ao apontarem o seu dedo para o lado mais nocivo do capitalismo, questionando não só a moralidade em torno das decisões dos "votantes", mas também a desumanidade das empresas no trato com seus funcionários. Sem espaço para mocinhos ou vilões, o argumento é incisivo ao mostrar as diferentes realidades por trás destas motivações, as utilizando para analisar ora de forma critica, ora compreensiva, os códigos de ética de cada um dos companheiros de trabalho. Em meio a este complexo cenário, os irmão belgas abrem ainda pequenas brechas para discutir o reflexo desta instabilidade no casamento de Sandra, se concentrando na relação dela com o sereno e compreensivo marido. Uma opção que, potencializada pelo singelo desempenho de Fabrizio Rongione (A Criança), só traz mais plenitude a esta envolvente história.


Nos emocionando através de sequências de rara simplicidade, Dois Dias, Uma Noite é um relato extremamente real e humano sobre um mulher em busca da reconquista de sua dignidade. Esnobado na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, o necessário novo drama de Jean-Pierre e Luc Dardenne vai bem além da arrebatadora atuação de Marion Cotillard, questionando - sem pré-julgamentos - a solidariedade do ser humano diante de um cenário adverso. Explorando com perícia sentimentos como a compaixão, a insensibilidade, a culpa e o egoísmo, os irmãos belgas evidenciam que, por mais dolorosa que seja a pergunta, existem várias maneiras de se dizer um sim, ou um não.

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