terça-feira, 7 de outubro de 2014

Festival do Rio (O Juiz)


Dois grandes "Robert's", um comovente drama familiar

Colocando frente a frente dois dos mais expressivos atores de suas respectivas gerações, o intenso Robert Duvall e o vibrante Robert Downey Jr, O Juiz promove, sob os olhos da lei, uma interessante jornada de reaproximação entre um pai cheio de princípios e o seu incorrigível filho. Dirigido com leveza por David Dobkin, o longa flutua entre os gêneros com grande inspiração, prometendo agradar a todos com um argumento que não só flerta com o tradicional "cinema de tribunal", mas também com a comédia, o romance e um sincero drama familiar. Uma opção aparentemente arriscada, quase pretensiosa, mas que se torna eficaz graças ao ótimo ritmo e ao elogiável elenco de apoio, turbinado pela contida atuação de Vincent D'onofrio (A Cela) e pela competente Vera Farmiga (Invocação do Mal).



Se concentrando nos dilemas morais mais típicos do norte-americano, o roteiro assinado por Nick Schenk e Bill Dubuque se mostra original ao abordar essa conturbada relação usando um julgamento como pano de fundo. Para compor esse cenário altamente judiciário, de um lado temos o correto Juiz Palmer (Duvall), um homem de postura inquestionável que criou os seus três filhos com o mesmo rigor em que conduzia o seu tribunal. Do outro, o bem sucedido Hank Palmer (Downey Jr), um advogado cheio de lábia que construiu uma vida luxuosa com esposa e filha. Vivendo na cidade grande desde o acidente do seu irmão, o promissor talento do beisebol Glen (Vincent D'Onofrio), Hank não tolerou a hostilidade do pai após esse episódio, fato que o afastou da família. Tudo muda, no entanto, quando sua mãe morre de forma repentina. Voltando a sua cidade natal somente para o enterro, Hank acaba surpreendido quando o viúvo Juiz Palmer é acusado de cometer um assassinato. Apesar do pai não recuar, o advogado é convencido pelo irmão a defendê-lo. Hank então terá que não só evitar a condenação do respeitado Juiz, mas também suportar as muitas surpresas que o tempo e o afastamento acabaram escondendo. 


Evitando se concentrar na oscilante relação entre pai e filho, as 2 h e 20 min de projeção ganham um ritmo invejável graças à forma como os dilemas em torno de Hank vão tomando a tela. Em meio ao contundente processo de defesa do Juiz Palmer, as relações de Hank com a filha (a carismática Emma Tremblay) e com o seu primeiro amor da juventude (uma encorpada Vera Farmiga) dão maior ritmo ao longa, sendo desenvolvidas sem pressa pelo competente argumento. Evitando ser condescendente com os seus personagens, eles são o que são e ponto final, Dobkin conduz de forma precisa as atitudes e motivações de cada um deles, rendendo genuínas surpresas, cada vez mais raras dentro do gênero. À medida que o código de ética entre advogado e cliente abre espaço para a revelação de novos fatos, os energéticos embates entre Downey Jr. e Duvall são potencializados, destacando as inspiradas atuações de ambos. Enquanto Robert Duvall se mostra impecável em cena, indo do turrão ao frágil de forma ímpar, Downey Jr. não abandona os trejeitos do seu Tony Stark - que cada vez mais acredito serem seus - na construção deste advogado rebelde, sarcástico, mas extremamente humano. Dois tipos completamente diferentes, de gerações opostas, com posturas opostas, mas que no fundo são mais parecidos do que acreditam. Fato que, diga-se de passagem, é ressaltado com habilidade através da trama.


Utilizando o humor como uma natural válvula de escape, como na sensível cena em que Hank acode o seu pai no banheiro, desde já uma das minhas preferidas nesse ano, o diretor David Dobkin (Penetras bons de Bico) mostra em O Juiz uma surpreendente dose de maturidade. Por mais que o excessivo uso dos flashbacks soe apelativo, e que algumas soluções não se mostrem à altura de toda a obra, o comovente e revelador clímax é perspicaz ao promover uma intimista "lavagem de roupa suja familiar" em pleno tribunal. Afinal de contas, existe lugar melhor para se arrancar algumas verdades do que perante o juiz?

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