sábado, 6 de setembro de 2014

Hércules

Longa humaniza a lenda, mas não esquece o mito

Desmistificando o lado heroico do filho de Zeus, o diretor Brett Ratner (A Hora do Rush) encontra na velha Hollywood a inspiração certeira para esta nova versão de Hércules. Apostando no carisma de Dwayne Johnson, e nos gigantescos cenários construídos à moda antiga, o realizador nos surpreende com um empolgante épico repleto de ação e aventura. Optando por humanizar o semideus através das afiadas doses de humor, Ratner se aproveita do elenco acima da média, de um inesperado tom familiar e da sua habilidade em construir grandiosas batalhas, para nos apresentar um dos mais divertidos e enxutos blockbusters de 2014. 

Resgatado o espírito de uma já ultrapassada Hollywood, Ratner não poupou esforços na concepção visual do seu novo Hércules. Com orçamento girando em torno de US$ 100 milhões, uma aposta arriscada da Paramount, o diretor recebeu carta branca do estúdio para construir um dos mais ostentosos longas deste ano. Em meio ao frenesi dos efeitos visuais digitais, e dos cenários construídos através da computação gráfica, o realizador resolveu apostar nos gigantescos set de filmagens, na utilização de um elevado número de figurantes, nos takes aéreos, no (irregular) 3-D, e nas detalhistas batalhas em grande escala. Ainda que o roteiro se mostre extremamente simples, Ratner finalmente consegue adicionar ao seu currículo algo diferenciado, que o afaste do estigma envolvendo a ausência de traços autorais em seus trabalhos.


Inspirado na HQ The Thracian Wars, do quadrinista Steve Moore, os roteiristas Ryan Condal e Evan Spiliotopoulos optam por humanizar as lendas envolvendo a mitologia grega. Deixando de lado a aura mística envolvendo deuses e monstros, o longa narra a história do (bombado) Hércules (Dwayne Johnson), um guerreiro que carrega consigo o peso de ser conhecido como o filho de Zeus. Tendo as suas histórias espalhadas por toda a Grécia, principalmente após os conhecidos Doze Trabalhos, Hércules resolveu se aproveitar da aura de lenda viva para sobreviver. Contando com a ajuda do sobrinho Iolaus (Reece Ritchie), que no melhor estilo "aumento, mas não invento" vive para exaltar os feitos do tio, Hércules e os seus mercenários enxergam a possibilidade de enriquecer a partir de pequenas missões. Ao lado do destemido vidente Amphiaraus (Ian McShane), do seu parceiro de infância Autolycus (Rufus Sewell), da amazona órfã Atalanta (Ingrid Bolsø Berdal), e do insano guerreiro Tydeus (Aksel Hennie), Hércules aceita o convite de uma bela princesa (Rebecca Ferguson) para evitar que o reino de Trácia caia nas mãos erradas. Contratado por lord Cotys (John Hurt) para evitar a invasão, Hércules passa a ter que conviver também com alguns velhos fantasmas envolvendo uma tragédia familiar.


Por mais que a história do herói atormentado seja realmente clichê, e que o longa dê uma nítida acelerada do segundo para o terceiro ato, Brett Ratner compensa os pontos previsíveis com as empolgantes sequências de ação, o cuidado no aspecto visual e o talento de Dwayne Johnson. Ciente da importância deste personagem, "The Rock" não se fez de rogado ao admitir que o encarou como o mais importante de sua carreira. Ainda que o roteiro não exija muito mais do que sua força bruta, o ex-lutador demonstra carisma suficiente para impressionar não só nas cenas mais físicas, como também nos momentos em que a alguma densidade é pedida. Méritos para Ratner, que apesar de atribuir certa carga emocional ao personagem, em nenhum momento faz com que o novo Hércules caia na mesmice do herói confuso, que se leva a sério demais. Seguindo os passos de "The Rock", o restante do elenco também supera as expectativas. Enquanto os experientes John Hurt (1984), Rufus Sewell (Coração de Cavaleiro) e Ian McShane (Os Seis Signos da Luz) dão um peso maior a trama, os pouco conhecidos Aksel Hennie (Max Manus) e Ingrid Bolso Berdal (João e Maria: Caçadores de Bruxas) roubam a cena em vários momentos, se mostrando belos achados de Ratner. Uma pena que o personagem vivido por Joseph Fiennes (Shakespeare Apaixonado) seja tão mal aproveitado, prejudicado pelo acelerado e pouco cuidadoso desenvolvimento do terceiro ato. 

Por outro lado, em meio as soluções simples encontradas pelo roteiro, a grande novidade fica pela forma como o herói grego é desmistificado. Para desconstruir a lenda envolvendo o semideus, a trama é extremamente sagaz ao mostrar Hércules como um humano que se aproveita desta aura de herói. Envolvendo o grupo de mercenários na construção e "potencialização" deste mito, a sacada mais inspirada fica pela figura de Iolaus. Vivendo uma espécie de relações públicas de Hércules, o espontâneo personagem vivido por Reece Ritchie (10.000 A.C) é o grande responsável pela construção do mito em torno do tio. Com discursos exaltando os feitos do herói, quase sempre cercados de afiadas doses de humor, Iolaus representa também um acréscimo de ritmo a película, que acaba economizando tempo com desnecessárias explicações sobre o passado de Hércules. Ainda sobre os alívios cômicos, vale destacar também a inusitada presença do vidente interpretado por Ian McShane, um guerreiro experiente que não consegue enxergar o dia de sua morte. 

Desembarcando no Brasil após ter um péssimo desempenho em solo norte-americano, onde faturou insossos US$ 71 milhões em seis semanas, o novo Hércules se mostra um entretenimento leve e de surpreendente qualidade. Contando com a impressionante entrega física de Dwayne Johnson, o diretor Brett Rattner resolveu arriscar tudo nesta ousada versão envolvendo o clássico personagem da mitologia grega. Os resultados são empolgantes cenas de ação, imponentes cenários e um Hércules do tamanho de sua lenda. Ainda que não seja suficiente para apagar as lambanças promovidas em X-Men: O Confronto Final (2006), que curiosamente foi um sucesso de público, o realizador mostra com este trabalho que não é o "diretor de aluguel" que muitos o rotulam. Sem dúvida alguma, um ponto fora da curva dentro da oscilante carreira deste realizador.

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